O Dia do
Compositor introduzido no calendário nacional é apenas portador de uma
realidade cada vez mais aguda, a de que o Brasil, ao mesmo tempo em que nutre o
sonho de inventar uma economia criativa, não dá a menor bola aos seus grandes
criadores.
O Brasil tem
uma trajetória de criação musical invejável no mundo. Em todos os campos e
estilos extraídos de nossa identidade essa composição é consagrada porque
sempre soube acentuar o sentimento coletivo, a sensibilidade dos compositores e
a própria humanização da arte. Por isso tanta empatia do povo brasileiro com
sua música.
Na verdade a
composição musical é a matéria-prima mais rica deste país no que se convenciona
chamar de criação brasileira. A divulgação dessa criação sempre foi difícil e
até periférica, mas de uma forma ou de outra é consagrada pelo povo brasileiro.
Porém, o modelo que vem sendo construído no Brasil praticamente mudou os
valores da produção dos indivíduos, suas ideias, suas realidades e autonomia para
seguir um padrão estatutário imposto pela doutrina neoliberal.
Hoje as
instituições culturais excessivamente burocratizadas exercem uma regulação em
diferentes escalas, o que, de um lado, unifica as técnicas, ao passo que
subordina o pensamento a santificar os vetores fundamentais do mercado de modo
que uma gestão com ideologia corporativa impõe soluções únicas reduzindo a
importância da criação e se distanciando ainda mais da responsabilidade de se
fomentar o enriquecimento de nosso acervo através dos nossos compositores.
Tudo agora
parece ter tomado feição negocista, sobretudo com o pensamento neocolonial. É
que, em busca do “mercado novo” o Brasil volta a cruzar seus limites
fronteiriços para buscar a bíblia sagrada dos velhos quixotes.
Então percebe-se
uma aptidão para fazer de tudo um sistema e, assim, criar uma suprema
justificativa para aumentar o palavreado técnico de grande dispêndio que prega
a ideologia hegemônica. Tudo isso vem verticalizando nossos horizontes, o que
acaba por reconstruir um arcabouço político aonde as instituições,
principalmente as que mantêm combinações com o sistema financeiro, usam a
cultura a serviço da imagem.
A partir do
momento em que essa regra é estabelecida, a criação perdeu o sentido. E se o
Estado segue cada vez mais com sua forma de gestão, o mesmo espírito
empobrecido para interpretar a cultura da sociedade brasileira, o compositor
não tem espaço nesse mundo contemporâneo. Por isso uma realidade tão díspare
entre o discurso da valorização da criatividade e a realidade vivida pela
maioria dos criadores.
Mas o que se
espera de um debate cultural alienígena que só produz pensamento artificial? Em
vinte anos de neoliberalismo cultural evitamos observar a criação, a composição
ou simplesmente a música nacional brasileira.
Nunca a
composição foi tão vista como um fenômeno isolado justamente porque herdamos um
pensamento portador e transmissor de uma cultura de mercado que no máximo
enxerga a música como produto e que no máximo pode ou não atender a uma
característica específica para enriquecer a imagem institucional de uma
corporação.
Em vez de
linha melódica, o debate cultural hoje fala em sistema de financiamento. Ao
invés de discutir nossas células rítmicas, falamos em empreendedorismo, negócio
e economia da cultura. Tudo pintado como nos mesmos tons dos brasões reluzentes
de um neocolonialismo monárquico aonde as peças, a serviço das instituições
financeiras internacionais, orientam as “grandes reformas” para servir melhor
ao dinheiro, e pior ao país.
Não falamos
mais do compositor porque perdemos a vocação para discutir a nossa própria
arte. Essa composição que sempre gerou uma unidade nacional, mesmo com as
nossas fraturas sociais e territoriais, vive uma nova etapa em que a natureza
de nossa criação fica cada vez mais incompreendida nas “escolas estéticas”
herdeiras do neoliberalismo cultural.
A velha
noção que tínhamos de uma criação ecumênica vem perdendo esta definição para
que, fragmentada e compartimentada, a nova dimensão supervalorize as técnicas e
reduza os conflitos hierárquicos entre a cultura de solidariedade e a presença
de grupos econômicos que estão hoje redistribuidos nas esferas políticas e
administrativas do poder responsabilizado em discutir a cultura nacional.
Por isso,
instiucionalmente, perdemos o que Camargo Guarnieri classificou como o
“espírito do tempo” em que uma arte estava ligada à outra. Por outro lado
ganhamos um laboratório mecânico que antes de mais nada celebra a desumanização
da arte para negarmos a necessidade de uma criação baseada no sonho, na utopia
e na esperança.
Talvez sejam
estas algumas das razões subjetivas que justifiquem, por puro determinismo,
porque o Brasil, negando a sua própria história, não teve uma comemoração
oficial no dia 15 de janeiro, o Dia do Compositor.
“O
mercantilismo atinge também as artes, e quando a música se subordina à ambição
deixa de desempenhar a sua função - O petróleo e a eletricidade são úteis para
movimentar as máquinas; a música movimenta as almas”. (Heitor Villa Lobos).
Carlos
Henrique Machado Freitas...
Nenhum comentário:
Postar um comentário